Como lidar com o luto infantil?

Colaboração internacional de pesquisadores propõe abordagem centrada na experiência individual da criança, respeitando seu contexto

Texto: Beatriz La Corte*
A imagem mostra um menino sentado em um sofá, abraçando seus joelhos e com a cabeça abaixada, três crianças posando em frente a um cenário de destruição, com escombros ao fundo e uma criança usando máscara, sendo carregada por um adulto.

Pesquisas examinam impactos do luto na infância em resposta tanto à morte quanto a outras perdas
Fotomontagem: FreepikMarius Arnesen / CC BY-SA 3.0 NO e Xavier Donat/Flickr / CC BY-NC-ND 2.0

Pesquisadores do International Work Group on Death, Dying and Bereavement publicaram um artigo com novas concepções sobre o luto infantil. O trabalho se propõe a ser uma espécie de manifesto para cuidadores, profissionais da saúde e professores. Entre os autores da publicação estão enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e médicos de diferentes países: Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Israel, Nova Zelândia, Estados Unidos e Escócia. 

 “A pluralidade de culturas e frentes de atuação enriqueceu bastante as nossas discussões”, comenta a professora Regina Szylit, da Escola de Enfermagem (EE) e do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. O grupo se reúne a cada 18 meses em congressos para debater as novas descobertas dentro da área de pesquisa. Na publicação, o conceito de luto infantil adotado se refere ao “processo de perda de algo que está intrinsecamente ligado ao universo daquela criança”.

Reformulando o luto

Os autores do artigo defendem a transacionalidade – processo dinâmico e intercambiável – do luto infantil. O termo aponta que tanto o ambiente apresenta interpretações e direcionamentos para a criança quanto a criança pode propor sua visão ao ambiente.

Regina Szylit comenta que, em diferentes contextos, crianças são percebidas como “quase humanos”, seres passivos que apenas assimilam comportamentos e informações passados a eles. Esse entendimento subestima a capacidade infantil de compreensão, interpretação e decisão.

Assim, a professora enfatiza que a criança é um agente ativo em seu próprio luto. Isso quer dizer que, independentemente da ação do adulto, ela terá suas próprias concepções de morte, luto e superação. O papel dos responsáveis deve ser de respeitar a autonomia da criança, elucidar possíveis dúvidas e acolhê-la.

Mulher com cabelos loiros, óculos, brincos e uma blusa verde com ilustrações de folhas.
Regina Szylit – Foto: Fapesp

O artigo critica as definições de luto infantil pré-estabelecidas e propõe uma nova compreensão do tema. De maneira geral, os direcionamentos de ação nos casos de crianças enlutadas classificam-se em estágios de vida. Ou seja, são indicados planos de ação específicos de acordo com a idade da criança. Para Regina, esse protocolo está desatualizado e não reflete mais as diferentes realidades infanto-juvenis. 

Além disso, a autora aponta que os estudos sobre crianças enlutadas são predominantemente baseados em crianças brancas, de classe média, neurotípicas [que não possuem nenhuma neurodivergência, como o TEA], estadunidenses ou europeias. Ela explica que é importante que o debate também reflita outras realidades.

“No mundo atual, as vivências infantis são drasticamente diferentes, dependendo de onde a criança vive, dos espaços que frequenta e das relações familiares. Não dá para reduzir a realidade da pessoa à sua idade; o contexto deve ser considerado” Regina Szylit

Entre a morte e o “virar estrela”: o que os pesquisadores recomendam?

Jornal da USP perguntou à Regina como respeitar a autonomia sem perder a sensibilidade com a criança. A história de que a pessoa falecida “virou estrela” é boa ou ruim? A professora explicou que a proposta do artigo é fugir de respostas binárias como certo/errado. Para ela, respeitar a autonomia da criança é compreender que a atuação deve ser baseada muito mais no contexto individual daquela pessoa do que num manual ético baseado em sua idade.

A pesquisadora diz que, assim como a autonomia de espiritualidade dos adultos é respeitada, a das crianças também deve ser. Quando a história da “estrelinha” parte da própria criança, o adulto não deve invalidar essa perspectiva. “Eu não posso desconstruir algo que é importante para a concepção de luto da criança”, diz Regina.

Por outro lado, criar e trazer essas questões imaginárias não é recomendado pela pesquisadora. Isso porque a explicação mística e espiritual pode não fazer sentido para a criança. Neste caso, o argumento apresentado pode afastar o jovem, que se sente enganado, incompreendido e isolado da compreensão que aparenta fazer sentido para todos, menos para ele.

O luto no mundo atual

Os pesquisadores observaram, especialmente, a vivência de crianças órfãs ou com doenças terminais. A professora aponta, porém, que o conceito de luto abordado no artigo se expande para outros tipos de perdas. Para ela, dado o cenário global de guerras, migrações, pandemia e mudanças climáticas, o debate e o entendimento sobre o luto infantil deve ser melhor difundido.

No Brasil, entre março de 2020 e abril de 2021, 113 mil crianças perderam seus cuidadores em função da covid-19. Na Faixa de Gaza, pelo menos 19 mil crianças sobrevivem separadas dos pais. Na Ucrânia, cerca de 700 mil crianças foram deportadas e levadas para território russo. A autora aponta que catástrofes como as observadas em Brumadinho (2019), no Rio Grande do Sul (2023) e na Califórnia (2024), alteram a concepção do universo infantil – muitas crianças perdem familiares, casas, escolas, pertences, animais de estimação – e, portanto, um plano efetivo de contenção de danos deve considerar o luto infantil.

O artigo Re-Imagining Childhood Grief: Children as Active Agents in a Transactional Process está disponível on-line e pode ser lido aqui.

Mais informações: e-mail szylit@usp.br

*Estagiária orientada por Tabita Said

Matéria publicada no Jornal da USP

Data: 13/02/2025 às 13:26

 
 
 

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– mandato dos membros: 3 anos – permitida a recondução
– mandato dos Representantes Discentes da Pós-Graduação: 1 ano